segunda-feira, 26 de julho de 2010

Voz popular garantida por lei


Uma lei que garanta na prática a possibilidade de participação social efetiva na formulação e revisão das regulamentações de interesse do consumidor. Essa é a proposta do estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), "Agências reguladoras e tutela dos consumidores", a ser discutido com o Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor (DPDC), do Ministério da Justiça, as agências reguladoras e a sociedade.
A obrigatoriedade de divulgação de uma agenda regulatória, que estabeleça os temas prioritários de discussão e o cronograma de debates, é o ponto de partida do estudo, que faz parte do projeto "Pensando o direito", financiado pela Secretaria de Assuntos Legislativos (SAL) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud).
- Democracia, no estágio avançado em que estamos, não é só voto, mas participação efetiva nos processos regulatórios que vão afetar a vida da gente. Para tanto, é preciso consolidar os instrumentos de participação. Hoje são feitas consultas públicas e audiências, mas esses processos são pró-forma. Na maioria das vezes, os textos postos em consulta pública e os publicados são praticamente idênticos - afirma Daniela Trettel, advogada do Idec e uma das formuladoras do estudo.
Fundo financiaria especialistas para auxiliar entidadesPatrícia Alvarez Dias, técnica da Fundação Procon-SP, concorda. Segundo ela, atualmente é complicado para as entidades de defesa do consumidor acompanharem e contribuírem de forma relevante nos processos.
- Além de faltar uma agenda, a divulgação é precária, e os termos não são compreensíveis para o consumidor comum. Outro problema é o tempo exíguo das consultas: há casos de dez, 20 dias, para discutir temas que são muito complexos - relata Patrícia, informando que atualmente o Procon-SP acompanha cerca de dez processos de regulação, nas áreas de telecomunicações, saúde e energia.
O estudo, por determinação do edital, centrou-se na atuação das agências nacionais de Telecomunicações (Anatel), de Energia Elétrica $(Aneel) e de Saúde Suplementar (ANS), mas é a aplicável a qualquer agência ou órgão regulador.
O anteprojeto de lei, elaborado pelo Idec, amarra todas as pontas do processo de participação: da obrigatoriedade da agenda regulatória aos prazos para informação prévia ao Sistema Nacional de Defesa do Consumidor, do fornecimento de material para consulta aos prazos mínimos (de 60 dias) para o envio de contribuições da Sociedade e para a resposta dos órgãos legisladores sobre estas.
- O projeto prevê ainda um fundo, com recursos vindos de multas, Orçamento das entidades e parcerias, que poderia financiar a contratação de especialistas para assessorar as entidades em questões técnicas, a exemplo do que existe no Canadá e na Argentina - explica Daniela.
Alvo de um manifesto assinado e divulgado semana passada por Procon-SP e Idec, sobre a falta de transparência no processo de revisão das normas dos planos de saúde, a ANS parece estar mudando de rumo. Maurício Ceschin, presidente da agência, diz que pretende criar normas para as consultas públicas e também promete para 2011 a divulgação de uma agenda regulatória.
- Até o início de agosto vamos colocar em discussão uma normatização para as consultas públicas da agência. Queremos sistematizar para aumentar a participação social - diz Ceschin, acrescentando que tão importante quanto a regulação é a comunicação. - E comunicação é nosso principal problema. Trabalhamos para criar indicadores de qualidade, saúde não precisa ser um conceito tão subjetivo.
Anvisa faz parte de projeto piloto de aumento de participaçãoPara o secretário de Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça, Felipe de Paula, um projeto de lei que chega ao Congresso, partindo da academia e de instituições de informação de ponta, como o feito pelo Idec, tem grande legitimidade e tem sido muito bem recebido pelos legisladores.
- Financiar projetos desse tipo é uma forma de democratização. Sem perder sua responsabilidade e representatividade, o governo se torna instrumento e traz para o debate um pensamento de ponta, formando uma geração que entende que é importante participar da construção da lei e não apenas se queixar quando ela está promulgada - diz De Paula, ressaltando que a agenda política pode atrapalhar o encaminhamento do projeto do Idec. - Ainda vamos debater o resultado do estudo, mas parece que há realmente um problema nessa área, como aponta o Idec. Não se pode afirmar que o projeto vá virar lei. Mas esse debate pode levar o tema à agenda do próximo presidente.
O estudo financiado pela SAL é o arcabouço jurídico de outro projeto desenvolvido pelo Idec, o Programa de Fortalecimento da Participação Social na Regulação, apoiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Envolvida, de forma $, nesse programa e no Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para Gestão em Regulação (Pro-Reg), da Casa Civil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) foi a primeira a divulgar uma agenda, em 2009.
- O processo começou em 2007 e buscou, num primeiro momento, padronizar procedimentos para consultas e audiências. Em 2008, elaboramos a primeira agenda, divulgada no ano passado. Agora trabalhamos na de 2011. O objetivo é dar transparência e antecipar à Sociedade aquilo a que a Anvisa dará prioridade na regulação. O fortalecimento da participação faz com que o consumidor se aproprie verdadeiramente de seu direito e torne a regulação mais efetiva - Gustavo Trindade, chefe da unidade técnica de regulação da Anvisa.
Segundo Daniela, já são visíveis mudanças na Anvisa, num esforço pelo aumento da transparência, embora o cenário ainda não seja ideal. Consultadas sobre o tema, Aneel e Anatel não responderam.
Fonte: O Globo

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