quinta-feira, 15 de outubro de 2009

FORA DA NOVA ORDEM MUNDIAL

Passado mais de um ano e meio desde a aprovação da reforma contábil brasileira, todos já entenderam: a partir de 2010, o Brasil será um país onde as empresas terão suas demonstrações financeiras e individuais de acordo com o padrão internacional de contabilidade IFRS. Certo? Não inteiramente. Os bancos, na verdade, por um bom tempo apresentarão somente os balanços consolidados segundo as normas internacionais. Para os resultados individuais não há prazo de convergência.

A decisão do regulador bancário brasileiro se tornou ontem uma resolução editada pelo Conselho Monetário Nacional, o CMN. Segundo o documento, a partir dos exercícios encerrados em dezembro de 2010, as instituições financeiras de capital aberto ou que tenham comitê de auditoria terão de seguir o padrão internacional nos resultados consolidados.

Poucos se deram conta, mas o Banco Central (BC) ainda não está adotando totalmente os princípios emitidos pelo Comitê de Pronunciamentos Contábeis (CPC). Esse comitê estuda, organiza e publica as regras nacionais, baseadas no IFRS. Quem transforma os pronunciamentos em norma obrigatória são os organismos com força regulatória: a Comissão de Valores Mobiliários (CVM), que fiscaliza as companhias abertas, o BC, que cuida dos bancos, e a Superintendência de Seguros Privados (Susep).

A CVM trabalha com o mesmo cronograma do CPC. As consultas públicas são, inclusive, conjuntas. A Susep também está alinhada.

Entretanto, mesmo os bancos que possuem ações listadas na bolsa de valores respondem, na verdade, para o BC e não para a CVM. Seguem os padrões estabelecidos pelo Plano Contábil das Instituições do Sistema Financeiro Nacional (Cosif).

Silvia Marques, diretora de normas do BC, ressalta que a adoção do IFRS para os balanços individuais dos bancos é um processo que necessita de muita "parcimônia". Isso porque os limites e os parâmetros criados para a segurança do sistema são baseados na contabilidade. Portanto, alterar os balanços significará modificar os limites.

"Não temos um prazo. É um processo que ocorrerá ao longo do tempo. Não pode ser feito de uma hora para outra, sem estudo profundo", disse ela. Silvia ressaltou, contudo, que as normas necessárias para adequação dos bancos à Lei 11.638, de dezembro de 2007, foram adotadas. Até o momento, segundo ela, foram assimiladas pelo regulador financeiro as regras de imparidade ("impairment"), fluxo de caixa, divulgação de partes relacionadas e remuneração.

"Nosso compromisso com o IFRS é para o balanço consolidado", lembrou Silvia. O BC foi o primeiro organismo a adotar o padrão internacional em suas próprias demonstrações financeiras e o pioneiro também ao determinar que a partir de 2010 as instituições financeiras seguirão o padrão internacional para os resultados consolidados.

Para a adoção do padrão internacional nos balanços consolidados dos bancos, será utilizada a tradução oficial das normas que está sendo produzida no Brasil pelo Instituto Brasileiro de Auditores Independentes (Ibracon), prevista para ser concluída ainda neste mês.

Na avaliação do diretor de controladoria do Itaú Unibanco, Silvio Carvalho, a manutenção das regras antigas nos balanços individuais não será um problema. "Hoje os investidores estrangeiros conhecem bem as normas brasileiras, pois há muita gente especializada", disse. No caso do Itaú, o executivo destaca que o banco possui ações nos Estados Unidos e já publica demonstrações financeiras pelo padrão americano, por exemplo. "Nosso objetivo é que, depois de tudo normatizado, a instituição passe a adotar apenas um padrão contábil, o IFRS", afirmou.

Alexsandro Broedel, professor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas, Contábeis e Atuariais (Fipecafi), destacou que atualmente as normas do Cosif têm diferenças relevantes comparadas ao IFRS. Por isso, a adoção do padrão internacional certamente traria diferenças. Contudo, segundo o professor, é muito difícil tentar estimar qual seria a proporção da alteração.

Na opinião de Silvia, do BC, as regras do IFRS são melhores para a transparência de resultados de grupos, daí a importância para os balanços consolidados. No entanto, ela defende que as normas do Cosif, do ponto de vista prudencial para o sistema, são melhores que as do padrão internacional.

Uma diferença relevante, de acordo com ela, é que hoje a norma externa não aceita provisão de perda esperada, somente das realmente incorridas. Além disso, ela destacou que não faria sentido adotar as regras neste momento em que estão passando por profunda revisão, por conta da crise financeira internacional.

A regra que mais afeta os bancos, a de instrumentos financeiros, está, de fato, sendo revirada, em busca de aperfeiçoamentos. Pelo cronograma divulgado pelo Comitê Internacional de Normas Contábeis (Iasb, na sigla em inglês), as alterações serão obrigatórias a partir de 2012. O objetivo da revisão, entre outros motivos, é tornar a regra mais simples. Das 22 opções de classificação de um instrumento financeiro, devem restar apenas duas, segundo Jan Engstrom, integrante do Iasb.

Eliseu Martins, diretor da CVM, concorda que não haverá grande dificuldade para os investidores no caso dos bancos. "Não é uma omissão de informações, já que as instituições terão os balanços consolidados de acordo com as novas regras", afirmou Antonio Carlos de Santana, superintendente de normas contábeis e auditoria da autarquia. O maior problema, segundo Martins, é a lacuna de informações em 2008 e neste ano, uma vez que as companhias abertas já estão adotando as normas internacionais e os bancos ainda não, nem mesmo nas demonstrações financeiras consolidadas.

Paul Sutcliffe, sócio líder de IFRS da Ernst & Young, acredita que a diferença entre balanços consolidados e individuais não traz grandes preocupações. Segundo ele, essa diferença persiste na maioria dos países que adotaram o padrão internacional, inclusive na Europa. Ou seja, os resultados individuais seguem as regras locais e os consolidados, a internacional.

Sutcliffe destaca que o IFRS é um padrão desenvolvido especialmente para resultados consolidados, visando dar uniformidade à linguagem dos balanços para comunidades internacionais como investidores e instituições financeiras.

O professor da Fipecafi Nelson Carvalho defende a adoção das normas de maneira organizada e simultânea por todos os reguladores. Ele acredita que o fato de os bancos não utilizarem o padrão individual pode dificultar os planos do Brasil de divulgar a adoção do IFRS simultânea para os balanços consolidados e individuais. As companhias abertas, que não são instituições financeiras, estarão enquadradas nesse plano. O cronograma de edição das normas pelo CPC e pela CVM se encerra neste ano.

Fonte: Ibracon

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